Mesmo com 85 anos e tendo lançado o tão aguardado "Megalópolis", Francis Ford Coppola continua longe de se aposentar.
Quero fazer um filme que seja divertido.
Francis Ford Coppola, em entrevista a Splash
O cineasta ficou viúvo em abril deste ano, quando a cineasta Eleanor Coppola morreu, aos 87 anos, e, por isso, quer lidar com assuntos mais leves e em um lugar onde ainda não morou: Londres. "Perdi minha melhor amiga. Eu adorava conversar com ela de manhã e perguntar o que ela achava [dos filmes]. Então, morarei agora um pouquinho no único lugar em que nunca morei."
Não conheço Londres muito bem. Nunca morei lá e nunca morei com ela [Eleanor] lá, então a primeira coisa que farei não será procurá-la.
Francis Ford Coppola
O próximo longa será um musical gravado entre Londres e cidades de Itália, mas será um "filme barato", contou ele para Splash. "Eu não tenho mais dinheiro, pois coloquei tudo em 'Megalópolis'", diz o diretor, que precisou vender suas vinícolas para bancar a sua mais recente produção, com um orçamento de US$ 120 milhões, cerca de R$ 703 milhões.
A intenção do cineasta é dirigir "Distant Vision", um filme experimental que começou a ser produzido em 2015, mas foi abandonado. A história segue três gerações de uma família italiana.
MegalópolisNão tenho ideia de onde conseguirei o dinheiro para produzi-lo, mas será um filme pequeno, musical, e farei em super 16 [formato de filme que surgiu na Suécia em 1969 e aproveita a área de trilha sonora, o que não acontece em filmes de 16 mm para aumentar a qualidade da imagem em até 65%], bem diferente do que fiz com 'Megalópolis'. Terá muita dança.
Francis Ford Coppola
A produção é a realização de um projeto que o cineasta idealizou há mais de 40 anos, mas não encontrou um parceiro interessado em produzi-la. Por isso, o diretor decidiu usar o próprio dinheiro e prestígio para desenvolvê-la, descrita como um verdadeiro épico.
A história se passa na cidade de Nova Roma. É o cenário do conflito entre Cesar Catilina (Adam Driver), um artista e cientista idealista que sonha com melhorias, e o ganancioso prefeito Franklin Cicero (Giancarlo Esposito).
Em conversa com Splash durante a passagem do diretor pelo Brasil, ele defendeu que "Megalópolis" é sobre a liberdade de expressão dos indivíduos de questionar não apenas o futuro, mas também o que acontece em uma sociedade capitalista. "Precisamos de um grande debate sobre o futuro e queremos que todos no mundo participem desse debate."
Para Coppola, é preciso entender o porquê de não questionarmos a publicidade ter a liberdade de dizer às pessoas de quais bens elas precisam para serem felizes. "Somos mantidos infelizes porque, provavelmente, é mais fácil vender coisas para pessoas infelizes. Temos todos esses gênios e eles não sabem disso. Eles realmente estão sendo reprimidos, porque assim são mais suscetíveis às compras. Hoje você não pode dizer ao mundo que as pessoas são gênios porque como você faz com que os gênios se alinhem e sejam tosquiados como ovelhas?", questiona.
Somos mantidos infelizes porque é mais fácil vender coisas para pessoas infelizes.
Francis Ford Coppola
Em "Megalópolis", é pulsante a questão política e de guerra de poder e, para o cineasta, é uma parábola sobre como Roma costumava ser o centro e a concentração de todo o dinheiro do mundo, e como agora isso acontece com os Estados Unidos. "Costumavam dizer que todos os caminhos levavam a Roma. Após a Segunda Guerra Mundial, todos os caminhos levam aos Estados Unidos."
O acúmulo de poder e força leva a conflitos que, segundo Coppola, podem destruir o mundo. "São as crianças que vão herdar esta bagunça."
CuritibaDurante a conversa, Francis Ford Coppola falou sobre a inspiração em Curitiba para a concepção da cidade de Nova Roma. Para Splash, ele contou que foi a "experiência mais impressionante que tive", e que o protagonista Cesar tem características de Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná, pois o político tinha ideias inovadoras e sustentáveis para a cidade. "Há muito de Jaime Lerner e de Curitiba em 'Megalópolis'."
O diretor chegou à cidade paranaense quando procurava lugares que tinham ideias utópicas para o bem-estar de suas populações. No caso de Curitiba, o que chamou a atenção de Coppola foram os projetos que envolviam reciclagem de lixo, redistribuição de alimento e transporte público.
Legado do CinemaNo momento em que estamos sentados aqui, duas coisas maravilhosas estão morrendo: uma é o jornalismo e a outra é o sistema de estúdio de fazer filmes.
Francis Ford Coppola
Ele classifica a falta de fontes jornalísticas identificadas nas produções de imprensa e os títulos "caça-cliques" como a "morte" do jornalismo. Já sobre os estúdios, o diretor culpa a necessidade das empresas de entregarem lucros —ou são demitidos—, e por isso são obrigados a fazer produções que sigam uma fórmula já conhecida de sucesso.
O cineasta, porém, mantém a visão de que o jornalismo pode renascer "de outra maneira", assim como o cinema deve se reinventar. "Cinema não permanece o mesmo, e não consigo imaginar quais filmes nossos netos farão, mas sei que será maravilhoso. Haverá jornalismo, e talvez algum novo tipo de sistema de estúdios."
Estamos cercados pela geração jovem, e eles são tão talentosos e fazem as coisas de maneiras diferentes. Para mim, o que eu mais peço do novo cinema, é que me convide para um mundo que eu nunca conheceria, e que me faça conhecer pessoas que nunca saberia o que sentem.
Francis Ford Coppola
Entre os novos diretores, Coppola enaltece a própria filha, Sofia Coppla, e outros nomes: Sean Baker, a dupla Daniels, Denis Villeneuve, Jane Campion, Gessica Généus e Tamara Jenkins.
Quanto ao declínio da mídia física, Coppola é positivo ao vislumbrar um futuro no qual o sistema de pay-per-view (em que o usuário paga para assistir ao título individualmente) será o predominante. No caso de "Megalópolis", ele já avisa que não disponibilizará o filme em catálogos de streaming a partir de assinaturas.
Coppola no Brasil
O diretor esteve em São Paulo para receber o Prêmio Leon Cakoff da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. A entrega ocorreu nesta quarta-feira (30), durante a cerimônia de encerramento do evento. Em seguida, "Megalópolis" foi exibido.
A 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo aconteceu entre os dias 17 e 30 de outubro de 2024. Fizeram parte do circuito diferentes salas de cinemas, espaços culturais e CEUs espalhados pela capital paulista, incluindo exibições gratuitas e ao ar livre. A seleção deste ano contou com 417 filmes de 82 países.
Por: Fernanda Talarico, Flavia Guerra e Roberto Sadovski/De Splash