Um pedido de vista – mais tempo para análise – adiou nesta terça-feira (8) a votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara de um projeto que anistia os golpistas que participaram dos atentados de 8 de janeiro de 2023. Os partidos da base governista atuaram para atrasar a análise do projeto.
Naquele dia, militantes apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram os prédios da Câmara, do Senado, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) em protesto contra o resultado das eleições de 2022, em que Bolsonaro foi derrotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ataque às sedes dos 3 Poderes e à democracia foi sem precedentes na história do Brasil. Os vândalos quebraram vidraças, móveis, obras de arte e objetos históricos, invadiram gabinetes de autoridades, rasgaram documentos e roubaram armas.
ObstruçãoO pedido de vista tem prazo de duas sessões do plenário. O projeto deve voltar à pauta da comissão na próxima semana.
A oposição tentou pautar o projeto ainda em setembro, mas concordou em adiar a votação para depois do primeiro turno das eleições municipais, para que a análise não tivesse impacto eleitoral.
O projeto perdoa as condenações dos participantes dos atentados e atinge todas as medidas de restrição de direitos, como a prisão, o uso de tornozeleira eletrônica e outras que possam limitar o uso de meios de comunicação, plataformas digitais e redes sociais.
Até agora, o STF já condenou 227 pessoas pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. O Ministério Público Federal (MPF) já denunciou 1644 pessoas no total.
A base do governo obstruiu a votação com pedidos de esclarecimentos e requerimentos de retirada de pauta, alongando a reunião.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) afirmou que o projeto, ao anistiar os participantes, tenta apagar o que aconteceu.
"A dosimetria das penas pode e deve ser discutida, os advogados trazerem sua contestação das penas. Mas não é disso que se trata. Aqui se quer apagar, se esquecer uma trama muito articulada, inclusive com figurões da política, para impedir a fruição da democracia", afirmou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
Gilson Marques (Novo-SC) disse que os participantes, muitos idosos, não podem ser chamados de golpistas.
"Trama golpista? Dizer que aqueles idosos, aquelas pessoas que estavam lá voluntariamente, dispersas e sem organização, participavam de uma arquitetura de golpe é contra qualquer tipo de realidade. Chico tem razão sobre a democracia, de fato, mas não existe um meio termo. Como se reduz uma pena de 17 anos pra 2, pra 1, pra seis meses? Não existe possibilidade de recurso no STF”, afirmou.
O projeto
Segundo o texto, ficam perdoados todos os que participaram de “manifestações” com motivação política e eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre 8 de janeiro de 2023 e o dia de entrada em vigor da lei.
A proposta permite que o perdão se estenda a eventos anteriores ou subsequentes, desde que haja relação com os atos de 8 de janeiro. O texto, no entanto, não alcança os crimes de tortura, tráfico de drogas, terrorismo, os crimes hediondos e crimes contra a vida.
Além disso, o projeto:
O relator também propôs que pessoas físicas e jurídicas não poderão ser diretamente punidas por financiar movimentos e manifestações em que integrantes agirem contra a lei.
A responsabilização penal, segundo o parecer, somente poderá ocorrer se houver comprovação de dolo direto (intenção) e nexo causal entre o auxílio prestado, as condutas antijurídicas praticadas e o resultado produzido.
Foro privilegiadoO parecer do deputado Rodrigo Valadares (União-SE), aliado de Bolsonaro, também prevê mudanças no julgamento de pessoas comuns em inquéritos que envolvem pessoas com foro privilegiado — prefeitos, juízes, deputados, ministros, governadores e senadores, por exemplo.
Segundo a proposta, réus atraídos a uma instância superior somente poderão ser julgados de forma conjunta ou na sequência da pessoa com foro privilegiado – nunca em "marcha mais célere".
O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que é o autor do trecho adotado por Valadares em seu parecer, justifica as alterações como forma de evitar que processos de pessoas comuns sejam levadas ao Supremo “a partir da alegada participação de parlamentares detentores do foro”.
O projeto também estabelece que, assim que uma autoridade perder o foro, todos os julgamentos e pessoas atraídas por ela para uma instância superior deverão ser imediatamente redistribuídos para as instâncias adequadas na Justiça — independentemente da fase processual.