Com governo fragilizado, CPI vai devassar ministros da Saúde de Bolsonaro
Segunda-feira, 03 de Maio de 2021    07h19

Com governo fragilizado, CPI vai devassar ministros da Saúde de Bolsonaro

Fonte: Redação
Foto: Evaristo Sá/AFP
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, um dos principais alvos da CPI da Covid, e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido)

 

Num momento em que o Brasil passa dos 400 mil mortos pelo coronavirus e com o governo federal fragilizado na CPI da Covid, a comissão parlamentar de inquérito estreia nesta semana fase de depoimentos dedicada a devassar as ações de todos os ministros da Saúde que passaram pelo comando do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Nesta semana, os holofotes estarão em cima de Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e, principalmente, Eduardo Pazuello. Estão previstos para depor, ainda, o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, e o diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres.

Pazuello é alvo principal de críticos ao governo

Embora senadores independentes e oposicionistas considerem que cada ex-ministro da Saúde tenha tido seus erros e acertos, eles se focarão em interrogar Pazuello por sua gestão ser considerada como a mais problemática.

Os parlamentares vão insistir em obter esclarecimentos quanto:

  • ao atraso na contratação de vacinas, com recusa de propostas e supostas obstruções por parte de Bolsonaro;
  • ao estímulo do uso de medicamentos de eficácia não comprovada para o tratamento da covid-19, como a cloroquina, com produção em larga escala pelo Exército brasileiro;
  • à falta de insumos suficientes para pacientes internados, com destaque à crise de oxigênio hospitalar no Amazonas no início deste ano;
  • a ações de Bolsonaro contra o isolamento social e o uso de máscaras faciais;
  • ao conflito do governo federal com governadores e prefeitos perante medidas mais restritivas de circulação de pessoas.
  • O general Pazuello foi quem mais ficou à frente da pasta até o momento - cerca de 10 meses -, inclusive em meio à aceleração da gravidade da pandemia no país, e é percebido pelos senadores como o mais submisso às vontades de Bolsonaro.

    Em outubro, por exemplo, após ter sido desautorizado publicamente por Bolsonaro durante crise envolvendo a possibilidade de compra da vacina CoronaVac pelo governo federal, Pazuello apareceu ao lado do presidente, sem máscara, e disse: "Um manda, o outro obedece". Parte dos senadores avalia que o então ministro demonstrou ali que seguiria somente a vontade do chefe, independentemente da necessidade da população e de ponderações científicas.

    Cerca de dois meses depois, Pazuello perguntou "para que essa ansiedade, essa angústia?" ao falar do processo de vacinação contra a covid-19. Ele era então pressionado para que o Executivo deixasse de lado as disputas políticas e apresentasse soluções para a imunização. No último dia 25, o general entrou sem máscara em um shopping de Manaus.

    A importância dada a Pazuello se reflete até no tempo de fala à CPI: a quarta-feira (5) inteira, se necessário, a partir das 10h, sem dividir o dia com outras autoridades. Na terça (4), a oitiva de Mandetta está marcada para começar às 10h, enquanto a de Teich, às 14h. Na quinta (6), será a vez de Queiroga e Barra Torres, sem horários definidos até o fechamento deste texto.

    Depoimentos

    Nem todos os senadores críticos ao governo concordam que ouvir mais de um depoente num só dia seja o ideal. Porém, admitem ser preciso dar uma satisfação rápida à população e, caso o cronograma fosse diferente, poderia atrasar os trabalhos e diluir a força de cada oitiva.

    Há quem argumente também que o tempo de fala está de acordo com o tempo de permanência de cada um nos cargos, com a aposta numa nova convocação de Pazuello.

    Segundo relatos ao UOL, ninguém será poupado de questionamentos e críticas. Mas Mandetta não deve ser "massacrado", na avaliação de um senador da oposição, por ter virado um forte crítico do governo Bolsonaro desde que saiu do ministério.

    Por meio da fala de Mandetta, os senadores buscarão entender a estratégia adotada no início da pandemia pelo governo federal e expor ações que Bolsonaro porventura não tenha deixado o Ministério da Saúde executar.

    Os senadores contra o Planalto também vão atrás de revelar determinações de Bolsonaro à pasta que possam ter prejudicado o enfrentamento à pandemia no país.

    Quanto a Teich, parlamentares ouvidos pela reportagem avaliam que ele nunca fez críticas mais contundentes ao governo. Ao mesmo tempo, não está disposto a ser responsabilizado por atos com os quais discordava de Bolsonaro, e que a CPI eventualmente considere como erros. Assim, acreditam que o impacto de seu depoimento está mais em aberto.

    Na presença de Marcelo Queiroga, os senadores deverão focar nas ações em exercício pelo Ministério da Saúde, como a entrega de vacinas e compra de medicamentos, cujos cronogramas realistas continuam a ser cobrados por parlamentares e mandatários locais, e no planejamento para os próximos meses. A perspectiva é que o mundo não estará a salvo do coronavírus em 2022.

    Antonio Barra Torres, por sua vez, deve entrar na mira de senadores independentes e opositores especialmente pela não aprovação do uso da vacina Sputnik V no país. Ao menos 14 estados e dois municípios pediram autorização para a importação do imunizante, segundo a Anvisa, mas a agência tem negado a liberação sob a justificativa de falta de comprovação de qualidade e segurança.

    Imunidade de rebanho

    Os requerimentos para que os ex-ministros e os atuais membros do governo falem à CPI foram aprovados na semana passada em sessão repleta de bate-boca entre governistas e opositores. O resultado foi considerado uma derrota para o Planalto, cujos aliados estão em minoria dentre os titulares do colegiado - 4 dos 11.

    O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), é tido como independente, mas já fez duras críticas à condução do governo perante a pandemia. O vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), são oposicionistas.

    O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), em coletiva de imprensa com membros da comissão
    Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

     

    Ala da oposição buscará demonstrar que Bolsonaro supostamente apostou na imunidade de rebanho mesmo sabendo que, para isso, milhares de brasileiros iriam morrer. Dessa forma, o objetivo é tentar imputar a ele um crime doloso, quando há a intenção de produzir o resultado ou se assume o risco de produzi-lo.

    Foi aprovada ainda uma série de pedidos de informação sobre atos do governo federal na pandemia. Os dados solicitados devem ser entregues ao Senado em cinco dias úteis. Nem todos os pedidos deverão chegar a tempo de serem analisados minuciosamente pelos senadores antes das oitivas. Contudo, tanto governistas quanto oposicionistas entendem que a maioria dos dados já é pública. Para senadores ouvidos pelo UOL, é difícil aparecer informações novas que não saibam de antemão.

    Planalto prepara defesa

    O Planalto investe em uma força-tarefa com a ajuda de ministérios para colher informações que sustentem sua defesa.

    Alguns senadores governistas relatam atrasos nesse apoio, e os ministros escalados para essa articulação, Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral da Presidência) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), não estão se entendendo tão bem como deveriam. Os governistas tentarão mudar o foco da CPI para eventual mau uso de recursos da União repassados a estados e municípios.

    A oposição aposta no uso de denúncias, fatos documentados e dados fornecidos por aliados hoje dentro da administração pública.

    O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) se diz independente, mas é considerado como sendo do lado governista na CPI pelos pares. Ainda assim, um de seus requerimentos, que foi aprovado, pede planilha de registros - como data, local, autoridades envolvidas - relativos às saídas do presidente Bolsonaro pelo comércio do Distrito Federal desde 1º de março de 2020.

    A esquematização desses dados é tida como um embaraço ao Planalto por reforçar a tese da postura negacionista de Bolsonaro. Aglomerações nesses deslocamentos foram comuns.

    A expectativa é que mais requerimentos de convocação ou até de informação sejam aprovados nesta semana. A oposição trabalhará para chamar o ex-secretário especial de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten, que, em entrevista à revista "Veja", buscou responsabilizar o Ministério da Saúde por eventuais omissões.

    Parte dos senadores enxergou nessa fala uma tentativa de terceirizar possível culpa de Bolsonaro, mas não descarta obter dele mais subsídios de eventuais malfeitos praticados pela pasta.

    Luciana Amaral/Uol

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